Sebos escondem tesouros literários

Pesquisas em sebos podem resultar em surpresas agradáveis

sebo5Uma preocupação recorrente de professores, pesquisadores e instituições de ensino é a nova geração de leitores que está se formando no Brasil. Afinal, os jovens estão lendo mais ou menos? A discussão seria longa e os dados nesse campo não são claros; são até conflitantes, às vezes.

Há exatamente dois anos, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) publicou um artigo em que afirma que o brasileiro está lendo mais; por outro lado, o Instituto Pró-Livro divulgou em julho passado que houve uma queda em todo setor editorial no país.

Por isso, o Portal Professornews tenta, nesta reportagem, traçar um breve perfil da preferência de leitura dos jovens e da classe acadêmica em geral. Mas, em vez de analisar os números das pesquisas em livrarias, nossa equipe foi conversar com quem lida diretamente com o público consumidor de livros usados, nos "sebos" da cidade de São Paulo.

Muitos estudantes, professores e pesquisadores buscam livros esgotados, raridades que o tempo quase esqueceu, para completarem suas pesquisas e estudos. As lojas de livros usados também são bastante procuradas por leitores que não têm condições de adquirir livros novos a preços de lançamento. Nesses acervos, podem ser encontrados tomos valiosos, de qualidade ímpar e quase mitológico.

Os alfarrabistas (pessoas que negociam livros usados) deram suas opiniões e indicações sobre as preferências dos clientes, os livros mais requisitados e preciosidades literárias que podem valer uma pequena fortuna.

Professornews: Você acredita que o público leitor esteja crescendo, principalmente entre os jovens?

Maria Conceição Freitas – gerente da Livraria Sebo Red Star 25: O número de público leitor está caindo, as pessoas estão perdendo o hábito da leitura, mas, em parte, a culpa disso é a falta de incentivos do governo para a leitura. No Rio de Janeiro, existe um projeto que realiza uma feira de livros todo mês num bairro diferente; assim, a sociedade pode ter mais contato com a literatura. Outro fator é a nossa economia, pois uma família de classe média que tem dois filhos estudantes tem dificuldade para comprar diversos livros que custam hoje em torno de R$ 50,00 cada.

Professornews: Em geral, o seu público, além dos clientes acadêmicos, o que procura em sua loja?

sebo1Maria Conceição Freitas: Meus clientes são bem ecléticos, mas, geralmente, procuram livros religiosos. Houve um tempo em que eu conseguia vender 50 livros da Zíbia Gasparetto (autora espiritualista) por semana, mas agora, seus livros estão sendo vendidos em todos os lugares e a procura diminuiu. Entre os acadêmicos, o livro mais procurado é o Mundo de Sofia, além de Obras Completas, de Dostoievski, livros de Guimarães Rosa e os dois Atlas de Anatomia, o de Sobotta e o de Yokochi.

Em seu acervo, Maria Freitas aponta uma bíblia que data de 1866, de Antonio Pereira de Figueiredo, no valor de R$ 1.200,00. Mas a obra mais cara é a coleção Direito, da Editora Saraiva, que custa R$ 2.500,00. Na foto, ela mostra, além da bíblia, os exemplares de Matemática Elementar, de Osvaldo Dolce; Estas Estórias e Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa; e De Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius, o pai da anatomia moderna.

Professornews: Como você encara o senso crítico do leitor brasileiro atual?

Johnny Souza – funcionário da Livraria Sebo Riachuelo, e estudante do 3º ano de Letras: Considero, em geral, o senso crítico do jovem brasileiro em leitura muito fraco. Por um lado, estão lendo mais, mas o que estão lendo é a grande questão. No metrô, por exemplo, você observa muitos jovens com um livro ou um tablet, mas estão lendo best sellers, romances americanos, mas a nossa literatura que é riquíssima, eles preferem ignorar. Ao invés de estarem lendo Jorge Amado, ficam presos exclusivamente aos 50 Tons de Cinza (livro que vendeu milhões de cópias em todo o mundo) ou então a obras que chamamos de ‘lixo cultural dispensável’. Estou cursando Letras e espero contribuir com a educação no país, inclusive, incentivar os meus futuros alunos a descobrirem a nossa literatura.

Professornews: E quais são os livros mais procurados aqui?

sebo2Johnny Souza: Como estamos próximos à Faculdade de Direito da USP, os estudantes e professores procuram muitas obras dessa área, como os de Filosofia do Direito. O público em geral procura mais obras de Paulo Freire, em especial, a Pedagogia do Oprimido. Livros de Chico Xavier e Allan Kardec também fazem sucesso por aqui.

Na foto, Johnny posa com um exemplar do Atlas de Anatomia Humana, de Frank H. Netter, MD. Do acervo, o entrevistado apontou a Coleção Pensadores, da Editora Abril, como a mais valiosa, com preço de R$ 1.200,00.

Professornews: O brasileiro nunca possuiu uma fama de leitor assíduo. Você acha que isso mudou?

sebo3José Amorim – funcionário da Livraria Sebo Nova Floresta: Sim, mudou, mas para pior. Com a chegada da internet, os jovens até esqueceram um pouco a televisão, mas quando procuram livros, vão atrás de obras como 50 Tons de Cinza, Crepúsculo (romance vampiresco) e outras obras da moda sobre vampiros. Quando alguém entra aqui na loja atrás dos livros clássicos, sempre são os das gerações anteriores. Nossos jovens deveriam tomar gosto pela leitura ainda na escola, quando são obrigados a ler nossos autores clássicos, porque, aí, despertariam a curiosidade, mas parece que eles tomam um caminho diferente. Entre os acadêmicos, as obras daqui mais procuradas são de autores como Karl Marx e Max Weber, além do matemático Galois, que só os entendidos da área pedem. Muitos procuram bíblias também. Aqui, temos um exemplar da Bíblia Evangélica, de 1565, que, apesar do nome é católica (no valor de R$ 5 mil).

Na foto, José Amorim aparece com os livros História Natural, em latim-romano (pelo preço de R$ 5 mil), de Caii Plinii Secundi, e Arte Plumária e Máscaras de Dança dos Índios Brasileiros, de Noemia Mourão.

Professornews: Você acredita que o e-book poderá substituir o livro impresso um dia?

José Amorim: Acho que não, porque quem gosta de manusear e folhear um livro, não o trocará por um e-book, até porque a leitura no computador, depois de um tempo, cansa a visão.

Professornews: Qual é o produto mais procurado em sua loja?

Maria Secol – proprietária do Sebo Praia dos Livros: Estamos próximos à USP, FMU e UNIP, e estudante universitário procura preço, o que não ajuda muito quando os professores pedem livros que estão fora de catálogo ou de edições mais antigas. O engraçado é que a procura por livros mais novos sempre são das áreas de química, biologia e saúde. Mas isso não acontece com os de matemática, física, cálculo e estatística, porque professores e estudantes preferem os autores mais antigos.

Professornews: Então vemos que a rotatividade de jovens aqui é alta. Eles consomem muitos livros?

sebo4Maria Secol: Não é assim; os jovens estão lendo cada vez menos. Quando vêm aqui, procuram sempre o famoso 50 Tons de Cinza, que vendo em média 150 exemplares por mês. Mesmo assim, não vejo isso como um exemplo negativo, porque eu, quando mais moça, lia romances que eram vendidos nas bancas de revistas e foi através deles que obtive o hábito da leitura. Hoje, leio de tudo. Minha neta é fissurada em Harry Potter (outro best seller que vendeu milhares de cópias em todo o mundo) e eu sempre detestei sem nunca ter lido. Um dia, peguei um exemplar da coleção e nunca mais parei. O que me revolta é a atitude de algumas pessoas. Às vezes, entram pais com filhos pequenos aqui, e as crianças pedem muito um livro e os pais dizem “depois eu compro”, saem daqui, não levam o livro, mas levam para eles próprios o 50 Tons de Cinza. Outra coisa que se tornou comum é estudante de Letras que entra aqui e diz “odeio Dom Casmurro” (de Machado de Assis). Isso é inadmissível. Como um futuro professor vai incentivar seus alunos a ler com esse tipo de atitude?

Na imagem, a livreira apresenta a coleção mais valiosa da loja, a História da Literatura Brasileira, de Sylvio Roméro, de 1888, com preço de R$ 1.500,00.

Fotos e reportagem: Alexandre César

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