Dama de ferro

Sua recusa em aderir ao Euro, criticada na época, é agora tida como visionária, diante da crise europeia

Gilberto Rodrigues (*)

O Oscar de melhor atriz para Meryl Streep como Margareth Thatcher jogou luzes numa película que perpassa temas importantes da política internacional recente. Primeira-ministra do Reino Unido (1979-1990), Thatcher ficou conhecida como a Dama de Ferro (Iron Lady) por seu estilo resoluto e implacável, diante de seus objetivos e desafios.

O filme elege alguns focos para mostrar como Thatcher teve de se superar para chegar e se manter no poder. Primeiramente, o fato de ser mulher numa cultura política marcada pelo masculino é um dado essencial. Ao chegar no Parlamento Britânico nos anos de 1950, ela precisou lidar com a falta de estrutura para acolher mulheres (como a inexistência de banheiro para deputadas).

Quando assumiu a função de primeira-ministra, tinha de colocar a bolsa no chão, pois as cadeiras da Câmara dos Comuns estavam previstas apenas para homens. Os conflitos por ser esposa e mãe circundam a vida de uma mulher que, desde cedo, decidiu romper elevadas barreiras culturais para ser líder política. Outro aspecto relaciona-se à sua origem modesta, filha de um quitandeiro, prefeito de sua cidade.

Matriz ocidental dos direitos humanos, a Inglaterra é uma sociedade estratificada. O escudo de Thatcher para se defender do preconceito à sua origem humilde era o seu diploma de Direito em Oxford. Essa questão surge na Idade Média, quando os filhos dos burgueses, sem título de nobreza (SNOBS), passaram a frequentar a universidade, forçando o acesso à educação. Na época de Thatcher, como hoje, em pleno século 21, existe a Câmara dos Lordes, formada por uma aristocracia não eleita.

Dentre as várias guerras de Thatcher, o filme mostra três, preservando a figura da líder, dentro da máxima de Ortega y Gasset, de que o homem (nesse caso a mulher) é ele e as suas circunstâncias. A guerra contra o Exército Republicano Irlandês (IRA), com seus atentados terroristas, inclusive contra a própria Thatcher, evocam inimigos a serem tratados com mão de ferro.

Esse resquício das guerras religiosas não aparece no filme como um grave problema de direitos de minorias, em que o Estado Britânico foi denunciado inúmeras vezes pela Anistia Internacional.

A guerra das Malvinas/Falkland é rodada como uma cartada decisiva em defesa dos elevados interesses do país para derrotar os argentinos que haviam invadido militarmente a ilha. A opção pela guerra, sem concessões, insere-se num contexto em que o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, ganhava importante aliada contra a União Soviética, em sua estratégia de vencer a Guerra Fria.

Finalmente, a guerra econômica, em que o mais importante legado de Thatcher foi a sua política neoliberal (Thatcherism) de Estado mínimo e eficiente, privatizante. Sua recusa em aderir ao Euro, criticada na época, é agora tida como visionária, diante da crise europeia.

Filmada em vida, Thatcher segue como inspiração para a mulher na política. Num mundo desacostumado a ver – e respeitar – mulheres no topo, damas forjadas em ferro continuam a surgir em ambientes sociais hostis. Quem nos dera ter damas, apenas damas, como líderes.

(*) Gilberto Rodrigues é professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, foi professor visitante da Universidade de Notre Dame (EUA), doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP, mestre pela Universidad para La Paz (ONU/Costa Rica) e pós-graduado pela Universidade de Uppsala (Suécia).

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