Bullying infantil: por que as crianças tornam-se agressivas?

Projeto Piraporiando estimula debate sobre preconceitos entre crianças e incentiva a leitura

Janine RodriguesA escritora Janine Rodrigues é autora do Projeto Piraporiando, que aborda assuntos polêmicos que são discutidos entre crianças de 4 a 9 anos. Janine publicou em 2013 o livro No Reino de Pirapora (Editora Multifoco), em que aborda o bullying infantil, mostrando os efeitos dessa prática na vida das crianças.

Em julho, a escritora lançará a sua segunda obra: As Duas Bonecas Azuis (Editora Chiado), que mostrará como preconceitos de algumas crianças (assim como de adultos) causam a privação de novos conhecimentos.

A partir de maio, o Piraporiando estará promovendo eventos no Rio de Janeiro (RJ), onde crianças podem fazer trocas de livros e ouvir e contar estórias, além de participar de feiras de livros em diversos pontos da capital fluminense.

Janine Rodrigues fala sobre os temas de seus livros.

Professornews: Como surgiu o interesse pelo assunto e a inspiração para escrever o livro?

Janine Rodrigues: Foi de modo não planejado. Sempre gostei muito de escrever e sou apaixonada por literatura infantil. Também sempre fui muito ligada a crianças. Quando eu era criança, sempre que chegava à casa de alguém e tinha uma criança, queria pegar no colo, brincar, conversar. Acho que é por causa desses aspectos que acabei sendo uma observadora do comportamento infantil. Não de modo premeditado, mas de modo natural. Acho que o fato de eu dialogar com a criança de um modo mais livre e despretensioso, sem achar que eu estou sempre na posição de ensinar alguma coisa e ela de aprender, me ajudou e me ajuda a ter a atenção das crianças. Conhecimento não pode ser medido. Conhecimento é conhecimento e boa parte dele está relacionada às nossas experiências. Uma criança também tem suas experiências e também pode passar conhecimento. Se entendermos e respeitarmos isso, a criança tem nossa atenção e nosso respeito.

Professornews: Você acredita que, ao lerem o livro, as crianças se identificam com os personagens e passem a se questionar em seus papéis de agressores e agredidos, quando for o caso?

Janine Rodrigues: Acredito que a leitura por si só desperta na criança e nos adultos algo extremamente importante, que é o ato de pensar, o ato de questionar. E, consequentemente, o ato de se posicionar. Acho que uma criança que agride pode se reconhecer em um dos personagens, assim como a criança que é agredida também pode se reconhecer. Acredito inclusive que, em geral, a maioria das crianças que agride e pratica bullying já sofreu essa prática antes. Muitas vezes, a forma de a criança se ‘’defender’’ ou de se vingar é fazendo com outras crianças o que fizeram ou fazem a ela. Mesmo as crianças que não sofrem e nem praticam bullying podem analisar a historia do livro e pensar na situação dos personagens. Falar sobre bullying não é fácil e a literatura é uma eficaz ferramenta de educação.

Professornews: Nas salas de educação infantil, algumas crianças tendem a praticar o bullying de várias formas, seja pela exclusão dos grupos, por xingamentos ou apelidos depreciativos e, até mesmo, com violência física. As causas podem ser muitas, como pouca educação oriunda da família e displicência dos professores. Dentre os praticantes de bullying e agredidos, como isso pode afetar suas vidas no futuro?

Janine Rodrigues: Embora a falta de educação e a displicência dos professores possam contribuir para a prática do bullying, é importante sabermos que esses não são fatores determinantes. Muitas crianças são bem educadas em casa, ou pelo menos, são educadas da forma que o os pais/familiares entendem como sendo a forma correta de educação e, ainda assim, praticam bullying, mesmo com a atenção da escola e dos professores. Acontece que vivemos em sociedade. Nossas escolhas e nossos comportamentos são afetados pelo meio em que vivemos. Por exemplo, uma criança bem educada em casa e que estuda numa escola na qual o professor está atento aos seus alunos pode sofrer e/ou praticar bullying. Isso porque a escola é formada por diversos outros atores como alunos, professores e funcionários.

Por mais que a criança seja bem educada, ela tem suas limitações e pode não ter controle emocional suficiente para lidar com uma agressão. No caso da prática do bullying, a criança, por exemplo, pode se sentir isolada dos demais alunos por algum motivo e, para revidar a angustia que sofre, pode praticar bullying em outras crianças. Não por que ela foi mal educada e sim por que ela não sabe lidar com o sentimento de rejeição.

Agora, é bem verdade que uma boa educação, tanto em casa como na escola, podem fazer com que a prática do bullying não perdure. É importante sabermos nosso papel enquanto cidadãos. O meu comportamento no dia a dia contribuiu para a boa educação dos filhos do meu vizinho, por exemplo. Precisamos reconhecer nossa responsabilidade de cidadãos. É impossível pensar em melhorar o lugar em que vivemos se não vivemos aquilo que dizemos aos outros. Aceitar ou achar graça de situações de falta de respeito e situações que expõem uma criança é colaborar para a continuação dessa prática tão destrutiva chamada bullying.

Uma criança que sofre ou pratica bullying pode ter sérios problemas em sua vida adulta. Um exemplo são as escolhas que essa pessoa fará ao longo da vida. Sejam as escolhas pautadas na errônea certeza de que ela terá sempre razão e fará valer sua vontade, assim como fazia na escola, na época que praticava bullying com os colegas ou pela baixa autoestima que sente em relação a si própria por causa do bullying que sofreu na época do colégio onde todos os dias era xingada e agredida. Ambas as pessoas têm grande probabilidade de construir suas escolhas e suas opiniões com base nessas experiências e, por isso, se tornarem adultos psicologicamente frágeis.

Professornews: Geralmente, crianças e jovens têm vergonha de contar aos pais e responsáveis que sofrem bullying nas escolas ou na rua. Como os pais podem identificar esse problema em seus filhos?

Janine Rodrigues: Comunicação. Não acho que seja fácil e não acho que todas as crianças são comunicativas na forma comum de comunicação, ou seja, a conversa. Mas acho que, além da conversa, podemos observar e fazer uso de outros modos de comunicação. Uma criança pode se comunicar de várias formas. Se ela, em geral, é dócil e apresenta um comportamento agressivo que persiste durante um período determinado, isso é um modo de comunicação.

Se uma criança é comunicativa, gosta de conversar e passa alguns dias isolada, quieta demais, esse também é um modo de comunicação. Se uma criança diz com firmeza que não quer mais ir à escola ou não quer mais ir ao jogo de futebol ou à natação, essa é outra forma de comunicação. Uma mensagem pode ser transmitida de várias formas. A questão é estarmos atentos a esses comportamentos. Um bom diálogo é muito importante. Não devemos ter pressa em querer falar à criança aquilo que achamos que ela precisa ouvir e sim, ficarmos interessados em ouvir o que ela tem a dizer.

Por mais amorosos e atenciosos que sejam os pais/familiares/educadores, a melhor forma de ajudar uma criança é ouvindo o que ela tem a dizer e, posteriormente, falando com ela sobre o assunto. Criança precisa ser ouvida. Mais uma vez, vejo o livro como um grande aliado na educação. Conversar com a criança, prestar atenção ao seu comportamento e ter como prática a leitura ajuda a criança a expandir seus horizontes. Se você não sabe como abordar um determinado assunto com uma criança ou tem dificuldade de dialogar com ela, um ótimo início é ler um livro com ela ou para ela, para saber do que se trata a história e conversar com a criança sobre o que ela acha do enredo. Essa é uma atitude simples que pode dar bons frutos em relação à abordagem de temas críticos com as crianças e uma proximidade maior de sua intimidade e seus questionamentos.

Professornews: Em instituição de ensino, como os professores devem agir com crianças que demonstram atitudes violentas? E o que devem fazer para protegerem aquelas que não conseguem se defender?

Janine Rodrigues: É muito difícil. Só um professor que passa por isso e vive essa realidade no dia a dia sabe o tamanho das dificuldades. Não me sinto confortável em listar o que deve ser feito por que cada professor tem a sua maneira de fazer o melhor possível. Isso por que apesar de todas as dificuldades, esta profissão é uma escolha. Escolha não só de profissão, mas também de compromisso com a melhora da qualidade social do nosso país. Mas ainda acho que o diálogo e a atenção são essenciais. Envolver os pais/familiares no assunto também é importante. Também acho importante dizer que quem agride muitas e muitas vezes, sofre tanto quanto sofre o agredido. Por isso, o problema deve ser tratado em ambos os lados da questão. Muitas vezes, o problema extrapola os limites da escola e é necessária uma ajuda psicológica. O importante é tratar os casos de perto. É essencial não cair na legalidade, ou seja, não achar “normais’’ ou corriqueiras situações que, se continuadas, podem causar graves danos ao futuro da criança.

Adicionar comentário


Conteúdo Relacionado