Reitora da Universidade de Harvard concede entrevista à Folha antes de sua visita ao Brasil

A historiadora Drew Faust conheceu o Brasil através de seus estudos sobre a escravidão nas Américas. Hoje em dia o que chama sua atenção é a força emergente do país. Ela vem ao Brasil no final do mês de março e concedeu entrevista aos jornalistas do site da Folha de S. Paulo, Luciana Coelho e Gilberto Dimenstein. Veja trechos dessa entrevista.

FOLHA - O que a sra. espera da viagem ao Brasil?
DREW FAUST - Nunca estive lá. Estou animada em ir, afinal, é obviamente um lugar vibrante, que está crescendo e se tornando cada vez mais importante no mundo. É um pais sobre o qual eu comecei a aprender como estudante pesquisando história comparada nas Américas no colonialismo e na escravidão. Essa foi minha introdução na história do Brasil, mas nunca tive a chance de estar lá.

Sempre leio a respeito do Brasil, porém, sobre seu crescimento e reivindicação de uma parte significativa da produção econômica mundial. Também a política do Brasil tem sido muito interessante nos últimos anos, com o presidente Lula os avanços que ele promoveu no país.

Estou bem animada em ir, temos professores interessados em promover atividades no Brasil, como os programas de janeiro, quando os estudantes da escola de governo, da escola de engenharia e da graduação vão lá estudar água e questões ambientais.

FOLHA - Ainda assim não há tantos estudantes e professores aqui em Harvard, mesmo quando se compara, proporcionalmente, com outros países latino-americanos. A universidade está tentando fortalecer estes laços?
FAUST - Estamos, estamos bastante. Temos uma doação muito generosa de um brasileiro, o Jorge Paulo Lemann, que apoiou nossa expansão em estudos brasileiros, então avançamos alguns passos e esperamos que continuemos a avançar.

FOLHA - Vocês têm um escritório lá [desde 2006]. Como está indo?
FAUST - Acho que está indo muito bem. Há bastante interesse por parte de nossos professores e estudantes em fazer conexões e tocar programas lá, como esse que eu citei.

A [Harvard] Business School está muito interessada em fazer estudos de casos do Brasil, dada a animação com a economia. Estamos bem otimistas com as nossas conexões com o Brasil, e minha viagem é para reforçar isso, essa expansão e esse envolvimento. Espero conseguir intensificar esse momento.

FOLHA - E uma colaboração entre Harvard e universidades brasileiras, como a USP e a Unicamp, seria interessante?
FAUST - Acho que nossa conexão com universidades internacionais é sempre sadia e pródiga em construir mais conexões. Estou ansiosa por um encontro.

FOLHA - Como Harvard está se expandindo globalmente e o que está fazendo para atrair mais estrangeiros, não só estudantes mas também professores?
FAUST - Nós nos tornamos uma universidade muito mais global nos últimos anos em uma série de aspectos. Tivemos um aumento de 20% no número de estudantes estrangeiros aqui em Harvard na última década, de forma que hoje 20% dos alunos da universidade hoje são estrangeiros. Isso varia de escola para escola --a escola de governo é a mais internacionalizada-- mas de modo geral 20% dos alunos são estrangeiros. E isso é uma mudança significativa na última década.

Outra coisa importante que mudamos nesse sentido é a ênfase, para os alunos de graduação, à importância de ter uma experiência internacional significativa durante seu período aqui. A reação dos nossos estudantes foi impactante --1/4 deles teve alguma experiência internacional significativa no ano passado. Se você considerar que um quatro deles vá a cada ano, e que eles fiquem aqui quatro anos, praticamente todo mundo acaba fazendo tendo uma dessas experiências.

FOLHA - Qual a relação de Harvard com o governo federal e as instituições privadas no que diz respeito ao financiamento de pesquisa? E como esse financiamento é distribuído?
FAUST - A Fundação pela Pesquisa Científica nos EUA, desde a Segunda Guerra, tem sido uma parceria entre as universidades e o governo federal. Há essencialmente uma decisão tomada, da qual as universidades nos EUA estão bem cientes, de que a pesquisa científica seria amparada por dinheiro do governo federal, e essas universidades seriam o local das pesquisas mais importantes.

Nós recebemos uma proporção substancial, majoritária de nosso financiamento à pesquisa do governo federal. Está em cerca de 21% de nosso orçamento total hoje [de US$ 3,7 bilhões] --e isso só para pesquisa patrocinada, não é todo o investimento federal. E ainda temos cerca de US$ 600 milhões por ano de fontes federais para pesquisa em ciências e ciências sociais.

Nosso orçamento também conta com uma contribuição significativa de nosso fundo de doações [endownment], que é um modelo de operação próprio das universidades privadas e que algumas universidades públicas agora tentam adotar.

Hoje cerca de 35% de nosso orçamento operacional vêm desse fundo. Está um pouco abaixo de dois anos atrás, era 38%, e estamos tentando diversificar. E depois temos as anuidades, que também perfaz uma boa parte de nosso orçamento.

FOLHA - O fundo sofreu nos últimos dois anos, não? Como foi lidar com a crise econômica?
FAUST - [A crise] nos obrigou a termos um olhar mais duro com o que estávamos fazendo, ver como poderíamos ser mais eficientes, estabelecer prioridades e decidir o que poderíamos passar sem. O fundo de fato caiu 27%, e ele bancava 38% do nosso orçamento. Foi um momento de autoexame intenso na universidade, e acabamos fazendo algumas mudanças. De forma geral, eu diria que o resultado foi esse autoexame que não necessariamente teria motivo sem a disciplina financeira imposta pela crise. Mas acho que no longo prazo seremos uma instituição mais forte por conta disso.

FOLHA - A folha de pagamento consumiu US$ 1 bilhão no ano passado. Além de bons salários e da marca, o que Harvard oferece aos docentes e pesquisadores?
FAUST - Tentamos ter a base mais diversificada possível para garantir que não estamos ignorando ninguém para ficar com a escolha mais óbvia ou mais conhecida de quem cuida das contratações. Para convencê-los a vir aqui, a razão mais atraente é sempre as pessoas em volta e a oportunidade intelectual. Um departamento vibrante, outros acadêmicos que vão ajudar a aprimorar o trabalho daquele indivíduo, desafiando-o de forma a conseguir seu melhor trabalho, essa é nossa ferramenta mais importante. Também tentamos criar um ambiente para um indivíduo desenvolver seu melhor trabalho, o que pode significar fornecer recursos em um laboratório, uma boa biblioteca, chances de pesquisa, financiamento de viagens se a pessoa precisa pesquisar em outros lugares. E na questão salarial, estamos no mercado para atrair talentos acadêmicos. A pessoa nos diz quanto está ganhando, quanto precisa, e nós respondemos dentro do mercado.

FOLHA - Última coisa que você já deve ter respondido milhares de vezes. Depois das declarações do [ex-reitor] Larry Summers sobre a capacidade feminina menor para as ciências, como é ser a primeira reitora mulher de Harvard? Faz diferença?
FAUST - Primeiro recebi um monte de cartas, chamou atenção. Mas agora acho que as pessoas já se acostumaram.

Fonte: www.folha.uol.com.br

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