Lei Seca: péssima redação impede entendimento dos ministros do STJ

Textos contraditórios geram impunidade

Damásio de Jesus (*)

DAMASIO finalO Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua 3ª Seção, decidiu que motorista só pode ser processado criminalmente por embriaguez no trânsito (art. 306 do CTB) se provado que conduzia veículo automotor quando superado o limite de álcool por litro de sangue (0,6 grama). Como a lei, em sua figura típica, menciona essa exigência como elementar, somente a comprovação pelo bafômetro ou exame de sangue completaria o tipo penal.

Como o condutor pode recusar-se legalmente à realização dessas medidas, uma vez que ninguém está obrigado a fazer prova contra si, a consequência é o comprometimento do próprio dispositivo penal (salvo para fins administrativos).

De maneira que, se um condutor se recusa a submeter-se ao bafômetro e ao exame de sangue, ainda que haja no processo meios clínicos ou outras provas, como a testemunhal, atestando a embriaguez, ele ficará impune.

A decisão, que somente poderá ser alterada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é de grande importância, uma vez que o recurso do qual adveio o julgamento foi selecionado pelos Ministros para uniformização e pacificação da matéria, devendo, por isso, ser adotada por todos os Tribunais do País.

Logo que entrou em vigor o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (1997) e a alteração do art. 306 (2008), dizíamos que, não se tratando de um simples comentário para ver erros na nova legislação, não podiam passar sem percepção falhas em alguns dispositivos penais. Caso contrário, aplicar-se-ia novamente o conhecido “lei que não pega”. E não deu outra. Vou ter de explicar lá fora como é que uma legislação, em um dispositivo, diz uma coisa; em outro, outra completamente diversa.

E é verdade: enquanto um artigo determina que só pode ser processado o motorista ébrio mediante a comprovação de seu estado pelo bafômetro ou exame de sangue, outro diz que ele não está obrigado a isso, pois a nossa legislação seguiu a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica e a Convenção Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

É inacreditável que, num país que está matando no trânsito cerca de 30 mil pessoas por ano, algumas mortes decorrentes de embriaguez dos motoristas, haja uma lei sobre o assunto que, diante de sua péssima redação, não permita nem aos Ministros do STJ entendimento uniforme, pois, em 9 votos, tivemos 4×4, havendo o desempate da Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

O crime de lesão corporal leve pode ser provado por vários meios; a embriaguez ao volante, de maior potencial ofensivo, não. É inacreditável!

É necessário que, com urgência, cuide-se do tema no Congresso Nacional, dando redação simples, concisa e harmônica ao art. 306 do CTB, não nos esquecendo de que, no trânsito, enfrentamos perigo maior: os homicidas embriagados.

 

(*) Damásio de Jesus é jurista brasileiro, considerado um dos mais respeitados especialistas em direito penal da atualidade. Dedicou-se então à advocacia e mais tarde à promotoria. Construiu sua carreira na Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, destacando-se na área criminal e chegando ao cargo de subprocurador de Justiça. Representou o Brasil inúmeras vezes na ONU, junto à Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal. Dedica-se há mais de quarenta anos ao magistério, sua grande paixão.

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