Cultura e história da Imigração Japonesa no Koshukai

Historiadora conta a evolução de hábitos e costumes de nisseis e sanseis no Brasil

Kochi CasteloAprender a cultura do Brasil antes de aprender a do país de seus antepassados: essa é uma das propostas da palestra "A Imigração Japonesa no Brasil", apresentada durante o seminário Koshukai, realizado pela Associação Brasileira de Ex-Bolsistas no Japão (Asebex), em São Paulo, na última sexta-feira (17). A palestrante do dia foi a historiadora e jornalista Celia Abe Oi.

O ciclo de palestras tem a finalidade de orientar os futuros bolsistas e estagiários que desenvolverão estudos e pesquisas no Japão. Segundo Celia Abe Oi, que ministrou a palestra, os futuros bolsistas precisam conhecer a história particular de seus antepassados, porque quando chegarem ao Japão, em algum momento, serão indagados sobre a história de suas famílias e amigos, e como evoluíram as colônias nipônicas no Brasil.

koshukai - cultura2“Uma preocupação das entidades japonesas no Brasil é que os jovens estão esquecendo e não buscando as tradições que seus avós e bisavós trouxeram do Japão. Por isso, além de aprender o idioma, é necessário que os bolsistas cheguem ao Japão com amplo conhecimento de como foi a luta, o esforço e o trabalho das gerações passadas que viveram e venceram no Brasil. Os japoneses têm muito interesse em saber como se deram as famílias que saíram do país antes da II Guerra Mundial, migrando para as Américas, particularmente, Brasil”, destacou Celia Abe Oi.

De acordo com a historiadora, entre todas as fases dos programas de imigração de japoneses ao Brasil, desde a chegada do navio Kasato Maru em 1908, até a crise econômica do Japão entre 2008 e 2010, o País recebeu cerca de 625 mil imigrantes. Desse montante, muitos tinham o sonho de fazer fortuna no Brasil ou nos Estados Unidos (até antes de 1930) e voltar para o Japão.

Dos imigrantes da primeira geração (1908-1941) só 10% dos 250 mil indivíduos conseguiram retornar à sua terra natal. Só nas terceira e quarta gerações (1990-2010), com o movimento dos decasséguis (termo japonês que significa trabalhadores que deixam suas terras para trabalhar em outras regiões) compostos por japoneses e brasileiros descendentes de japoneses, cerca de 350 mil pessoas retornaram ou foram para o Japão. Desse contingente, alto número de pessoas retornou ao Brasil, algo em torno de 100 mil pessoas, devido à crise no Japão.

“Para os imigrantes japoneses da primeira geração, o sonho se desfez quando a II Guerra pôs o Japão ao lado do Eixo e o Brasil ao lado dos Aliados, ou seja, eram japoneses vivendo na terra do inimigo. Os mais velhos citam exemplos de atrocidades pelas quais nossos avós passaram e outros problemas que enfrentaram, como a discriminação aos japoneses que cresceu muito nessa época. Por isso, foi necessário que os japoneses encontrassem modos de sobrevivência, como viver em colônias, fundar suas próprias escolas, cooperativas e centros comerciais e outras entidades, modelo semelhante ao que existia no Japão”, lembrou a palestrante.

Justamente pelo preconceito que os japoneses enfrentaram na época, muitas famílias de isseis (imigrantes) proibiam que os nisseis (filhos, de segunda geração) e sanseis (netos, de terceira geração) tivessem relacionamentos com brasileiros natos, algo que ainda perdura entre algumas famílias nipo-brasileiras mais conservadoras, como ocorre com as famílias alemães e italianas no Sul. No entanto, Abe Oi, ex-bolsistas e futuros bolsistas participantes do Koshukai acreditam que esse tempo está passando.

“Houve o tempo em que era terminantemente proibido um japonês ou seu descendente se relacionar ou casar com alguém do Brasil, com consequências terríveis que já ouvimos, como o banimento da família. Algumas pessoas ainda pensam assim sobre o destino de seus filhos e netos; porém, é natural que nós, os descendentes, que não somos japoneses e sim brasileiros, namoremos ou casemos com alguém daqui. Isso é irreversível, natural e muito normal”, afirmou a historiadora.

koshukai - cultura6 julianaPara Juliana Watanabe, biomédica da Yakult, foi apenas um acaso casar-se com um sansei.


“Coincidentemente, acabei casando com um descendente de japoneses, mas antes dele, só havia namorado brasileiros natos. Minha família nunca me proibiu isso”, disse.

Muito pior do que se relacionar com pessoas não descendentes, era ter filhos mestiços: as famílias os condenavam.

Entre os membros do Koshukai, está a estilista Mayra Miyuki Yamada, filha de pai sansei e mãe brasileira não descendente. De pele morena e feições orientais, Mayra conta que nunca sofreu preconceito pela mistura de etnias, nem no Brasil e nem no Japão, quando lá esteve em 2012.

koshukai - cultura4“Por causa do meu biótipo, eu provocava muitos olhares indagadores no Japão. Perguntavam de onde eu vinha e não acreditavam quando dizia que eu era brasileira, pois pensavam que eu era coreana ou taiwanesa. Eles olhavam com curiosidade e desconfiados por eu falar japonês tão bem; é difícil interpretar o sentimento deles. O japonês, geralmente, acha que o brasileiro é como o oriental, todos parecidos, mas não sabiam que o Brasil é uma grande mistura de etnias. O engraçado é que, após mostrar fotos de meus amigos, de várias origens, eles fingiam conformismo, como se dissessem “Ah, tá bom...”, disse entre risos, Mayra.

A exemplo da estilista, Raphael Tamaki é filho de neto de japoneses e de uma brasileira, e contou que sua família pouco se importou com quem se relacionasse.

koshukai - cultura3 raphael“Quando meu avô era jovem, ele dizia aos filhos para que não se casassem com brasileiras não descendentes, por causa da diferença cultural, mas não fez disso uma regra. Além disso, meu pai e o resto da família cresceram fora das colônias e isso não os pressionou a seguirem certas regras e determinações”, comentou Raphael, que é estudante do 4º ano de Engenharia Elétrica da Universidade de São Paulo (USP) e que vai tentar uma bolsa de estudo de mestrado no Japão após sua formatura.

De todos os presentes no Koshukai, talvez uma das presenças mais curiosas é a do analista de sistemas da IBM, Gabriel de Mattos Matsuda, que é descendente do povo de Okinawa (uma das ilhas do arquipélago japonês), não fala o idioma japonês, mas pretende visitar a ilha de Okinawa, que hoje integra o território nipônico.

koshukai - cultura5“Meu bisavô Heiji Matsuda veio ao Brasil de Okinawa em 1928, e quando começou a II Guerra Mundial, ele foi viver numa colônia de japoneses aqui em São Paulo pela facilidade de convivência com pessoas que estavam na mesma situação que ele. Ele viveu até os 92 anos, tive a sorte de conhecê-lo e, quando ele partiu, eu tinha 10 anos. Não tenho interesse de obter uma bolsa de estudo e nem de conhecer o Japão, já que as ocupações do trabalho não me permitem; quero apenas visitar Okinawa e aprender o idioma, pois quero conhecer a história dos meus antepassados e de minha família. Estou no Koshukai desde 2012 porque minha namorada Letícia Akemi Iwamoto é descendente de japoneses e bolsista. Ela está no Japão há sete meses e voltará no mês que vem. Por causa dela, passei a me interessar pelas atividades da Asebex e contribuir para os futuros bolsistas que querem ir para a Ásia”, explicou Gabriel Matsuda.

Ao fim da palestra, Celia Abe Oi explicou sobre as perspectivas dos jovens nisseis e sanseis que representarão o Brasil durante seus períodos de estágio e pesquisa no Japão.

“O Japão é um país que importa cultura, seja através do cinema, culinária, mangás (gibis), karaokê, música, dança, jogos eletrônicos, moda etc. Não é de admirar que muitas pessoas do mundo inteiro querem ser japoneses de algum modo, assim como há grupos de japoneses que querem ser brasileiros e conhecer mais a nossa cultura. Os bolsistas têm a responsabilidade de saber muito sobre o Brasil e o Japão para se relacionar bem com as pessoas e ter bons aproveitamentos de seus estudos. Por isso, é importante visitar o Museu do Imigrante, que fica no Bunkyo, aqui mesmo em São Paulo e ler livros sobre o assunto”, finalizou.

koshukai - cultura6Após a palestra, todos participaram animadamente do workshop de dança, que também faz parte da programação do Koshukai.

O Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil fica no prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), no bairro da Liberdade, em São Paulo-SP.

Fotos e texto: Alexandre César

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