Sexualidade: como o professor deve lidar com esse assunto

Pesquisadora orienta sobre os aspectos comportamentais em sala de aula

elisabete oliveiraSurgem situações em que o professor é obrigado a lidar com o aspecto da sexualidade em sala de aula. Esse assunto ainda é tabu na sociedade, muito mais no meio acadêmico. Como o professor deve ou pode encarar esse assunto?

Para ajudar a Professora e o Professor a enfrentar essa difícil situação, o Professornews conversou com a Professora Elisabete Oliveira (*), mestre e doutoranda em sociologia da educação e pesquisadora da ECOS – Comunicação em Sexualidade, que expôs as diversas faces da questão com muita natralidade.

 

Professornews - O que a senhora acha da lei contra a homofobia? De que forma isso ajuda na conscientização da sociedade? Na sua opinião, essa lei chegou tarde ou nem era necessária?

Professora Elisabete - Práticas de violência que têm como motivação o ódio e intolerância a gays, lésbicas, travestis e transexuais têm tido uma maior visibilidade na mídia nos últimos anos. Numa sociedade ideal, o respeito à diversidade humana estaria na base das relações sociais e, consequentemente, leis de criminalização de racismo, homofobia e outras formas de intolerância seriam desnecessárias. Não é este o caso do Brasil, infelizmente.

O Estado tem o dever de garantir o direito de cada indivíduo à cidadania, à dignidade, à integridade e ao respeito, assegurando a todos o direito a uma vida sem violência, sem medo, sem constrangimento, sem humilhação. Esse direito não tem sido conferido à população LGBT, daí a necessidade de leis e políticas que caminhem nessa direção.

Notícias sobre espancamento e assassinato de homossexuais chegam à mídia quase diariamente. O crime de ódio tem uma especificidade que o diferencia de um crime comum, pois é motivado unicamente pela intolerância do criminoso à raça, ao sexo, à origem regional, à orientação sexual, à identidade de gênero, à religião ou outra característica da vítima. O crescimento desse tipo de violência aponta para a necessidade de leis punitivas, embora essas leis, como políticas isoladas, não resolvam o problema.

É preciso também o investimento no diálogo, no debate dessas questões e na educação de crianças, adolescentes, jovens e adultos para o respeito à diversidade humana, na perspectiva dos direitos humanos. Muito do ódio aos homossexuais vem de grupos conservadores que tentam impor seus valores ao restante da população. Alguns são grupos religiosos, que utilizam concessões públicas de rádio e televisão para propagar valores contrários aos direitos humanos e à cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

Essas vozes certamente contribuem para a demonização de qualquer orientação sexual que não seja a heterossexual, alimentando a intolerância social à diversidade. A laicidade do Estado brasileiro deve ser defendida contra as vozes que se manifestam contra os direitos humanos; para isso, é essencial uma postura corajosa e rigorosa por parte de nossos governantes.

 

Como um professor deve lidar com alunos declaradamente homossexuais com relação à sua presença em sala de aula?

Professores e professoras são confrontados, em sua prática cotidiana, por conflitos gerados por todo tipo de diversidade presente na escola e na sociedade. É preciso que os(as) docentes assumam o desafio de garantir a todos os alunos o direito a uma educação de qualidade, que não pode ser prejudicada seja pela cor da pele, orientação sexual, identidade de gênero, entre outros fatores.

Não há como ignorar a homofobia presente nas escolas brasileiras. Pesquisas mostram o sofrimento de alunos e alunas homossexuais em suas interações na escola e também a incapacidade da maioria das escolas em lidar com o bullying homofóbico.

Alunos homossexuais, assim como os demais alunos, têm direito a uma educação de qualidade e a uma experiência escolar livre de preconceitos e violência; portanto, cabe à escola a concretização desse direito em todos os seus espaços. Para isso, faz-se necessária a capacitação de todos os profissionais que atuam na escola, toda a escola tem que ser coerente com um mesmo plano estratégico de combate à homofobia e outras formas de discriminação.

Muitos alunos vêm de uma formação familiar onde essas questões nunca foram debatidas. Cabe à escola proporcionar essa discussão, sempre pautada nos direitos humanos.

 

Numa sala de aula, até que ponto o professor deve interferir numa situação em que algum aluno(a) gay é discriminado(a) por seus colegas?

Em minha opinião, o professor deve intervir em todas as situações em que haja qualquer tipo de discriminação, pois situações de discriminação têm impacto sobre todo o trabalho pedagógico, afetam todos os atores da escola. O professor deve interferir, inicialmente, por meio do diálogo, por meio do debate das situações de discriminação.

A escola deve incluir ações contra discriminação e bullying em seu projeto político-pedagógico, e essa preocupação deve estar presente em todos os níveis, em todo o trabalho educacional.

Não é uma tarefa fácil; os professores e demais profissionais da educação se sentem despreparados para lidar com a homofobia, principalmente, porque esse tema – assim como a sexualidade e relações de gênero – não fez parte de sua formação inicial. Todos os atores da escola – professores, gestores, coordenadores, funcionários, estudantes – trazem para a escola diferentes formações que vêm da família, do bairro, da mídia, da religião, toda essa diversidade se encontra na escola.

O professor está na linha de frente para lidar com essa diversidade, sente-se desamparado; precisa de apoio, formação e recursos. Uma iniciativa importante do governo federal foi a criação do Kit Escola Sem Homofobia, que trazia uma proposta de enfrentamento desse problema no espaço escolar. No entanto, o material não chegou a ser distribuído, devido à pressão de grupos conservadores no Congresso Nacional.

Não foi só o Estado laico que saiu ferido nesse triste episódio, mas também a dignidade de crianças e adolescentes que continuam a sofrer humilhação, constrangimento e violência diariamente no espaço escolar.

Hoje, os direitos sexuais e direitos reprodutivos – cujos princípios foram elaborados e consolidados na Conferência Internacional da ONU Sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994, e na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada em Beijin em 1995 - devem pautar as políticas de educação em sexualidade nos espaços educativos de nosso país.

Um dos direitos previstos nos documentos das conferências é o direito de expressar livremente sua orientação sexual, seja ela qual for. Se existe o direito, deve existir a garantia do exercício desse direito, dentro e fora da escola.

 

Nos livros didáticos, alguns personagens históricos não têm a sua sexualidade mencionada, mesmo que isso tenha interferido nos fatos históricos. A que se deve essa prática?

Vivemos em uma sociedade heteronormativa, ou seja, a heterossexualidade é a norma e qualquer outra orientação sexual é considerada desviante. Os livros didáticos tendem a refletir exatamente isso, e não somente em relação à orientação sexual, mas também reproduzem modelos de família, de homem, de mulher, trazem estereótipos de raça, gênero, classe social, que certamente têm impacto na educação de crianças, adolescentes e jovens.

Somente há poucos anos, percebeu-se a importância de se contar a história das mulheres, dos negros, porque, até então, os heróis da história eram todos homens, brancos, cristãos e heterossexuais. Obviamente, esta mudança só foi possível com o esforço dos movimentos sociais – sobretudo o movimento negro e o movimento feminista –, que lutaram pela revisão dos conteúdos e livros escolares e a inclusão de todos os atores que fizeram parte da história.

Tenho esperança de que o movimento LGBT lute pela mesma inclusão. Existe uma vasta literatura acadêmica que analisa os livros didáticos e mostra de que modo eles contribuem para perpetuar certos estereótipos e manter determinadas estruturas sociais. Isso está mudando, mas muito lentamente.

 

Como sua pesquisa sobre a sexualidade pode ajudar os docentes que lidam com esse assunto?

A função da pesquisa educacional é fornecer subsídios para políticas públicas em educação que possam auxiliar na transformação das práticas escolares, para que escola se torne cada vez mais inclusiva e dê conta de responder às demandas da sociedade. Nesse sentido, as pesquisas sobre educação em sexualidade e relações de gênero têm tido papel importante para apontar os desafios enfrentados pela escola nesse processo de inclusão.

A homofobia é um exemplo que tem sido recorrente em diversas pesquisas em educação, e que exigem uma resposta do Estado. No mestrado, pesquisei a sexualidade, gravidez e maternidade de mulheres jovens de estratos populares da cidade de São Paulo. Essa pesquisa mostrou de que modo as jovens articulam e formam um acervo pessoal de conhecimentos sobre sexualidade que permite a elas tomar decisões sobre sexualidade e reprodução.

A pesquisa de doutorado que estou desenvolvendo atualmente trata de uma minoria sexual praticamente desconhecida: os assexuais, que são indivíduos que não têm nenhum interesse por sexo, e reivindicam o status de orientação sexual para sua falta de desejo.

Calcula-se que 1% da população seja assexual, existindo poucos estudos sendo feitos sobre esse tema no mundo. Os assexuais são praticamente invisíveis no mundo real, embora grupos de assexuais estejam se formando em comunidades na internet.

À medida que a visibilidade das minorias sexuais vai crescendo, aumentam suas chances de inclusão na sociedade e como sujeitos de direitos nas políticas públicas. Espero que minha pesquisa possa contribuir nesse sentido.

 

Elisabete Regina Baptista de Oliveira é pedagoga, mestre e doutoranda em sociologia da educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Pesquisadora da ECOS – Comunicação em Sexualidade, onde desenvolve estudos no campo da educação em sexualidade, relações de gênero e diversidade sexual. Integrante da REGES – Rede de Gênero e Educação em Sexualidade. Criadora do Blog Assexualidades (http://assexualidades.blogspot.com.br/ )

 

 

Comentários   

0 # Celso Henrique Masotti 22-03-2012 11:07
Excelentes perguntas. Fantásticas respostas. Parabéns pela exibição dessa problemática tão atual que precisa de um enfoque mais veemente por parte do Estado.
Responder | Reportar ao administrador
0 # Janice 22-03-2012 14:17
Excelente matéria, pena que os nossos educadores não procuram se apropriar destes conhecimentos.
Responder | Reportar ao administrador
0 # Renny 28-09-2013 22:24
Doutora, houve na escola onde trabalho o caso de um aluno que abriu um site pornográfico na sala de informática e foi punido junto aos colegas que dividiam o computador com 1 mês sem qualquer atividade na mesma sala...
Qual é a sua visão quanto a isso?
Responder | Reportar ao administrador
0 # Elisabete Oliveira 05-10-2013 20:15
Creio que a situação pode ter leituras diferentes. Por exemplo: qual a idade dos alunos envolvidos? A escola ministra educação em sexualidade e relações de gênero? De que modo? A curiosidade em relação à prática sexual aflora em determinadas idades. Acho fundamental descobrir se essa atitude do aluno está apontando para a falta da discussão desse tema na escola, ou mesmo em casa.
Responder | Reportar ao administrador
0 # Ricardo Gasparini 17-01-2014 22:05
Primeiro: O professor não deve se sobrepor aos valores familiares e religiosos da criança. O professor não é superior aos pais nem à religião. Isso é prepotência.
Segundo: Não existe nem nunca vai existir "sociedade ideal" como ela fala. Isso é alegoria. É como acreditar em fadas e duendes.
Terceiro: Homofobia no Brasil é irrisória e só serve de propaganda para políticos e ONGs mantidas pelo Governo Federal (com MUITO dinheiro). Proporcionalmente morrem muito menos gays do que heteros. Basta verificar os números.
Quarto: Grupos religiosos propagam o ódio contra gays? Ora, mostre uma única notícia de religiosos saindo de missas e cultos e atacando gays! Não há NENHUM relato sobre isso. Pessoas como essa mulher é que propagam o ódio contra as religiões.
Responder | Reportar ao administrador

Adicionar comentário


Conteúdo Relacionado